Educação

Uma aula para “ouvir”

Nunca tive experiência com alunos deficientes. Nunca pensei que um dia poderia ter ou como
seria caso acontecesse. Mas um dia desses recebi a notícia: teria um aluno surdo e mudo para
o curso técnico, com uma intérprete. Naquele momento fiquei pensando como seria a
dinâmica, como ocorreria a inclusão, se precisaria adaptar minha aula, se ele iria me entender, se a intérprete saberia
“traduzir” minhas palavras com exatidão. Mil pensamentos vieram.

 

O primeiro dia de aula foi um pouco tenso. Conversei com a intérprete e a mesma disse para
não me preocupar, não mudar nada as aulas, pois o aluno em questão tem plena capacidade
de entendimento e compreensão do conteúdo. Um dia, até cheguei a cometer uma gafe,
como sou muito brincalhona com os alunos, disse esta frase corriqueira: “Melhor ouvir isso do
que ser surdo!”. Na mesma hora a intérprete levantou a mão delicadamente e me olhou com
um sorriso. Nem precisou dizer nada. Lógico que ela interpretou minhas palavras ao aluno e
ele entrou em gargalhadas. Fiquei procurando um buraco para me esconder!

 

Depois dessa, segui as aulas (quase) normalmente, até que chegou um momento onde os
alunos precisariam apresentar um trabalho em grupo. Veio outra preocupação: um surdo e
mudo apresentando trabalho? Como seria isso? Mais uma vez recorri à intérprete e
novamente ela disse: não se preocupe.

 

Eu estava sem entender. Era tudo muito novo e a cada dia eu me impressionava com este
universo que jamais teria pensado sequer um dia. Conversei bastante com a intérprete e ela
me abriu os olhos de uma forma fascinante.

 

– Professora, o surdo e/ou mudo precisa de intérprete para ir ao banco, médico, estudar,
resolver assuntos pessoais. Sou contratada para isso, quando podem pagar, é claro. Não são
todos que tem esta condição.

 

Fiquei imaginando como tudo isso seria. Óbvio! Como o paciente vai dizer ao médico o que
sente? Precisa de um médico que saiba Libras? A mente viajou.

 

– É um mercado amplo Lucilia, e com poucos profissionais. Não estou assustada que você não
saiba nada disso. Normalmente as pessoas não direcionam seus olhos aos deficientes, seja
qual for.

 

Uma grande verdade. Muita gente não pensa, inclusive eu. Senti-me um pouco constrangida,
pois não queria estar nesta estatística.

 

O Grande Dia!

Enfim, o grande dia chegou. A apresentação dos trabalhos! A intérprete me explicou como
seria:
– Professora, eu ficarei no fundo da sala e o aluno apresentando o trabalho lá na frente. Vou
ficar nos fundos, pois não quero que a turma olhe para mim. A atenção é para ele. Assim, vou
traduzir o que ele diz em alto e bom som, ok?

 

Concordei sem hesitar. Expliquei à turma como seria e todos ficaram curiosos, inclusive eu. A
apresentação começou. Aliás, o espetáculo começou. Senti-me naquelas entrevistas de
Hollywood onde o ator fala e a tradutora faz seu trabalho, impecável. À medida que a
apresentação acontecia meus olhos ficaram anestesiados. A turma estava paralisada e
emocionada. Ao final, os aplausos foram inevitáveis. Foi incrível!

 

Aplausos de gratidão. Sim, agradeci ao aluno pela oportunidade de ter passado por esta
experiência única de aprendizado e empatia. Aprendi a me colocar no lugar destas pessoas
com deficiência (PCD), aprendi a tolerar, a respeitar. Como os deixamos de lado acreditando
que não possuem potencial ou força de vontade!

 

Uma lição de Vida

Para alguns foi uma simples aula, mas para outros como eu, foi uma lição de vida. Educadores,
governo e a sociedade em geral, precisam dar mais espaço e ter mais conhecimento sobre este
assunto. O principal disso tudo é aprender a transformar o conhecimento e as experiências em
atitudes que façam a diferença, buscando a inclusão de todos com igualdade.

Lucilia Notaroberto
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